As tecnologias para identificação de indivíduos estão cada vez mais avançadas, prova disso é que os leitores de impressão digital bastante conhecidos já foram ultrapassados por outras formas de Biometria, como o leitor de veias da mão. Para explicar mais sobre esse processo, o professor da UFS Jugurta Montalvão Filho, que palestrou no 2º Encontro de Gestores Estaduais de TI, concedeu uma entrevista.
Cartões, senhas, assinaturas tudo isso já pode ser considerado coisa do passado, atualmente, as veias de nossas mãos já servem como senha bancária. Todo esse avanço decorre da Biometria, que tem como princípio fazer das características físicas e/ou comportamentais dos indivíduos fatores de identificação. Quem fala sobre o assunto é o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Jugurta Rosa Montalvão Filho, doutor na área de processamento de sinais e reconhecimento de padrões pela Universidade de Paris XI, Orsay – França, que participou do 2º Encontro de Gestores Estaduais de TI promovido pela Emgetis, no último dia 2. Na ocasião, Jugurta ministrou uma palestra técnica sobre Aplicações de Biometria e, para esclarecer as dúvidas sobre o tema, disponibilizou seu conhecimento em bate-papo com a Ascom da Emgetis. Confira a entrevista.
Ascom Emgetis – Fontes de pesquisas na internet definem Biometria como a ciência que aplica métodos de estatística quantitativa a fatos biológicos. O senhor poderia explicar melhor essa definição?
Jugurta Montalvão Filho: Essa definição é mais geral e está correta. A biometria que vamos tratar nesta entrevista é um caso particular dessa definição abrangente, muitas vezes chamada de Biometria Computacional, que consiste em extrair características físicas ou comportamentais de indivíduos para modelá-las matematicamente e, no final, colocá-las em um produto que vai servir para identificar uma pessoa. Um exemplo mais claro e conhecido aqui em Aracaju é o uso de leitores de impressão digital. Alguns sistemas de saúde, catracas de academias e relógios de ponto digital de empresas utilizam aparelhos de biometria. Mas na verdade a impressão digital é uma ponta do iceberg, pois essa é a primeira biometria que chegou em Aracaju, atrás dela estão várias inovações, que talvez cheguem nos próximos anos.
Ascom Emgetis – Apesar de se tratar de uma Biometria mais especifica, existe uma interdisciplinaridade de estudos nessa área?
Jugurta Montalvão Filho: Há sim muita interdisciplinaridade. Posso elencar duas disciplinas comuns a todas Biometrias, uma delas é Modelagem Matemática e a outra é o Reconhecimento dos Padrões.
Ascom Emgetis – Como a biometria está sendo aplicada hoje no cenário geral?
Jugurta Montalvão Filho: No cenário mundial, o uso de impressões digitais é preponderante, foi o primeiro a se expandir, aliado ao uso de computadores. Outras formas de biometrias que estão bastante em voga são: o uso do reconhecimento automático de faces, o reconhecimento do timbre da voz e a assinatura com utilização de tabletes [dispositivo periférico de computador que permite desenhar imagens directamente no computador, com o auxílio de uma caneta]. Há uma forma de biometria que ainda não é comum em Aracaju, que é o reconhecimento de formatos de mãos. No entanto, em São Paulo, por exemplo, grandes clubes já utilizam esse tipo de biometria para dar acesso à piscina, já que é mais robusta do que a impressão digital. Um banco brasileiro comprou uma tecnologia para leitura de veias de mão, por meio eletromagnético. Essas veias não mudam ao longo da vida e podem ser lidas e codificadas com uma espécie de código de barras pessoal. As veias já estão sendo utilizadas para substituição de senha do cartão de banco. Outra forma comum de biometria é a leitura da íris, por meio das reentrâncias que também funcionam como código de barras. Há também a identificação através das veias da retina, apenas para citar algumas já comercialmente disponíveis.
Ascom Emgetis – O senhor citou na resposta anterior um fator biológico que não muda ao longo da vida, no caso, as veias. Logo, essas características individuais usadas na identificação devem ser estáticas?
Jugurta Montalvão Filho: O fator não pode ou não deve mudar ao longo da vida, mas algumas biometrias são bastante flexíveis. Por exemplo, a voz da pessoa muda ao longo da de sua vida. Nesse caso, o sistema que vai usar a voz como biometria tem que ser adaptativo, tem que ir aprendendo ao longo do tempo, semelhante ao que fazemos instintivamente para reconhecermos a voz de uma criança que cresce e muda de voz. O alvo da biometria, nesses casos, tende a ser a imitação disso que os animais já fazem naturalmente.
Ascom Emgetis – Como deve ser o técnico que trabalha com a Biometria Computacional?
Jugurta Montalvão Filho: Seria muito difícil treinar um técnico para conhecer tudo que envolve a biometria. A estatística é um bom guia para o profissional que vai trabalhar na área. É preciso que o técnico entenda as vantagens e as limitações da biometria, pois não há nenhuma forma de biometria que seja 100% confiável.
Ascom Emgetis – Então, existem riscos na aplicação de Biometria em segurança e controle de acesso?
Jugurta Montalvão Filho – Há riscos sim, mas na verdade muitas vezes eles não são maiores do que aqueles apresentados em mecanismos de segurança e identificação como senhas e cartões. Quando se fornece uma senha para uma pessoa, em princípio, há uma segurança quase absoluta, já que ela a memorizará, e será a única a conhecê-la. Porém, na prática, sabemos que não é bem assim, a pessoa acaba esquecendo ou anotando a senha em algum lugar. A diferença na Biometria é que o risco de uma senha ser igual a outra é bastante pequeno, mas não é zero. O que é necessário é saber mensurar os riscos. A Biometria comete dois tipos principais de erros: ela pode aceitar um impostor – o que chamamos de falsa aceitação– ou ela pode rejeitar alguém que está cadastrado– o que seria uma falsa rejeição. Esses dois erros não podem ser reduzidos simultaneamente, pois funcionam como uma gangorra: se você diminui a taxa de falsa rejeição, aumenta a taxa de falsa aceitação. Um sistema biométrico muito severo pode gerar um caos, e até mesmo antipatia por parte dos usuários. Mas geralmente, nesses casos, o problema não está na Biometria, no seu uso prematuro ou mal dimensionado.
Ascom Emgetis – Academias e empresas já utilização aplicações de Biometria, como os leitores de impressão digital. O senhor vislumbra alguma tendência em relação a utilização de Biometria?
Jugurta Montalvão Filho: Aqui em Aracaju estamos há duas etapas atrás. No mundo, essa etapa da impressão digital já passou e as outras biometrias estão em voga, por exemplo, na Europa há passaportes que já incorporam a Biometria. A terceira etapa agora é fusão de Biometrias, a chamada Biometria Multimodal. Imagine um local com leitor de impressão digital, uma câmera que capta as proporções do seu rosto e outro aparelho que reconheça a sua fala. Então, você terá que apresentar três marcas biométricas e aí, internamente, o sistema tomará uma decisão de forma que, por exemplo, quando um dos aparelhos falhar, os outros compensem isso. Outra vantagem da biometria multimodal é que os sistemas ficam mais robustos a falsas rejeições: por exemplo, numa implementação possível, você só será barrado se não for identificado por nenhuma das três vias biométricas.
Ascom Emgetis – A Biometria é uma tecnologia cara?
Jugurta Montalvão Filho: Não necessariamente. Aqui mesmo na UFS, os alunos pegaram um quite de desenvolvimento gratuito, na internet, comparam o leitor de impressão digital, cadastraram os usuários do laboratório e hoje já dispensaram a fechadura da sala onde fazem iniciação científica.
Ascom Emgetis – O senhor pode citar um benefício social da Biometria?
Jugurta Montalvão Filho: Temos um problema social sério que é o da segurança. A Biometria vem para aumentar a segurança, fazendo com que máquinas reajam como se fossem pessoas, em alguns aspectos limitados da cognição. Outra contribuição social é a valorização e o seu potencial de popularização da ciência, pois o estudo da Biometria pode ser feito em qualquer lugar, podendo envolver cada vez mais estudantes. Acredito também nos desdobramentos da Biometria, mesmo que hoje ela seja disponibilizada preferencialmente para segurança. Aqui na UFS, um grupo de alunos estava trabalhando com o reconhecimento de voz e, uma das alunas, a Luciana Maciel, lembrou que, nas pessoas com Parkinson, uma das primeiras alterações comportamentais notáveis é na sua entonação vocal. Daí, pegamos as ferramentas utilizadas para o reconhecimento de voz e as utilizamos com pessoas com Parkinson – comparadas a um outro grupo de controle, sem Parkinson. No final, essas ferramentas conseguiram detectar indícios de Parkinson mesmo em pessoas com a doença em estágio inicial. Nesse caso, nosso alvo inicial era reconhecer pessoas através da voz (Biometria), mas também encontramos outras aplicações para nossos métodos de classificação de padrões de voz. Acredito que, na medida em que as questões abertas no campo da biometria forem respondidas, com o avanço de ferramentas poderosas, enraizadas no reconhecimento de padrões e no estudo da cognição humana, teremos efeitos positivos notáveis em muitos outros campos da ciência.
Por Grazielle Matos